Os carimbos numerados do final do Império
- Fabio Monteiro
- 6. März 2022
- 5 Min. Lesezeit
Aktualisiert: 4. Jan. 2024
Atualizado em 04.01.2024 (novo texto em vermelho)
Quem coleciona carimbos imperiais brasileiros já se deparou com eles: carimbos com números entre parênteses no arco inferior entre os círculos:

Não conheço estudo algum que trate do significado desses números, exceto referências esporádicas na Carimbologia de R. Koester. Quem sabe algum leitor poderia dar uma referência bibliográfica? Por exemplo, um texto elucidativo, uma portaria da época que explique isso. Sem essa ajuda, o remédio é tentar solucionar o enigma através de observação empírica e algum raciocínio. Que, por sua vez, partem de perguntas simples:
1. Quando surgiram esses carimbos? O que eles têm em comum?
Até agora, os carimbos foram encontrados em duplos círculos com datas de ca. 1876 até o final do império, ou início da república. Eles têm em comum mostrar, no arco superior, topônimos que ocorriam em diversas províncias imperiais ao mesmo tempo, ou seja, eram de lugares homônimos. Eles também apresentam letras de fontes idênticas, ou quase, o que indicaria uma origem comum, centralizada. Nesse caso, uma primeira hipótese já se cristaliza: os carimbos teriam sido confeccionados num lugar só (p.ex. Rio de Janeiro), para serem distribuídos entre as províncias, cujas agências eram homônimas. O número inferior seria, portanto, destinado a diferenciar as províncias receptoras. Essa hipótese se reforça também pelo fato de esses carimbos não apresentarem informações adicionais (como p.ex. EST. ou nome da província). Um carimbo com (MINAS) abaixo, por exemplo, não precisaria de número. E, realmente, não conheço carimbos numerados que também apresentem (MINAS).
2. Que outras hipóteses existem, além de diferenciar agências homônimas?
Seria teoricamente possível que os números desses carimbos fossem simplesmente sequenciais. Ou seja, quando o carimbo (I) estivesse gasto ou estragado, seria a vez de usar o (2), e assim por diante. Mas essa hipótese pode ser descartada, uma vez que alguns desses carimbos já foram identificados com segurança. Em Santa Cruz (RS) usou-se o carimbo com (5) no império, mas nunca encontrei objeto postal algum de lá com números inferiores em seus carimbos:

Bilhete postal de Santa Cruz (RS) postado em 28.07.1885 com destino a Dresden/Alemanha. Marcas de passagem por Porto Alegre (30.07.), Rio de Janeiro (08.08.) e Dresden/Neustadt (31.08. pela manhã). Carimbo de chegada em Dresden/Blasewitz em 31.08.1885 à noite.
Outra hipótese, bastante plausível, seria a existência de diversas funções para aquele número entre parênteses. No mesmo BP mostrado acima temos parênteses com uma lacuna grande no carimbo de Porto Alegre, bem como outros dois no Rio, com (3.M.) e
( 4 ), respectivamente. Mas é preciso salientar que esses parênteses são mais largos do que os outros. No caso do Rio, Paulo Novaes (agenciaspostais.com.br) já informou que (3.M.) indica a “3ª. Secção”, turno da manhã, encarregada da condução de malas em 1885, enquanto ( 4 ) significa “4ª. Secção”, encarregada de receber e distribuir a correspondência entre 1882 e 1887. Já a lacuna do carimbo de Porto Alegre seria proposital, para o encarregado escrever o número da seção correspondente à mão. O que raramente ou quase nunca aconteceu por lá.
Então teríamos parênteses largos nas capitais provinciais e cidades maiores, onde se colocaria a “secção” respectiva, e parênteses mais estreitos, com números diferenciais para distinguir localidades homônimas de diversas províncias.
3. Existiu um critério para a numeração diferencial? Qual?
Estas são as perguntas cruciais. Se soubermos o critério para a numeração diferencial, caso ele realmente existir, poderíamos até identificar a origem do carimbo através do número inferior, sem necessidade de objeto postal comprobatório. Como parto do pressuposto de que esses carimbos diferenciais têm uma origem comum, acredito também que existiu um critério orientador. Para esse critério teríamos p.ex. as seguintes alternativas: pela antiguidade ou importância da agência, ou ainda pelo nome da província de cada agência.
Para testar cada alternativa, vamos utilizar carimbos de procedência conhecida, numerados de (I) a (5), a saber:
(I) São Francisco de Paula (SRJ-0930b)
(2) Soccorro (SSP-1390b)
(3) Rio Pardo (RRS-0290e)
(5) Santa Cruz (SRS-0390b), nosso conhecido

Se alguém tiver um carimbo com (4), que por favor o mostre, para testá-lo também.
Critério de antiguidade: São Francisco de Paula no RJ era a mais antiga agência postal desse nome no império, se desconsiderarmos a antiga S. Francisco de Paula no RS (SRS-0311), que naquela época já se chamava Pelotas. Mas Soccorro em SP teve agência antes de sua xará sergipana. A Rio Pardo gaúcha era a mais antiga (agência de 1831, ou talvez ainda anterior) delas, o que não justificaria um (3). O mesmo se pode dizer de Santa Cruz/RS (agência de 1864), que seria a quarta mais antiga, se aí contarmos o Curato de Sta. Cruz (SMN-0010), que por sua vez não tinha carimbo numerado. Ou seja, este critério não deve ter servido para fins de numeração.
Critério de importância: Pode-se considerar a S. Francisco de Paula fluminense como a mais importante entre suas tocaias, por estar no Rio. Mas a Soccorro paulista seria, nesse critério, mais importante politica e economicamente do que a sergipana. E é difícil ver Rio Pardo e Santa Cruz em terceiro e quinto lugar entre seus homônimos, respectivamente. O número de habitantes também não condiz com essa ordem. Conclui-se que este critério tampouco convence.
Critério de ordem alfabética da sigla provincial: São Francisco de Paula (SRJ-0930) levaria (I), enquanto São Francisco de Paula de Cima da Serra (SRS-0310) ganharia (2), o que confere. Soccorro (SSE-0175) receberia (I), o que não podemos verificar por não dispormos de carimbos de lá, enquanto a Soccorro paulista levaria o (2), o que está certo. Dentre os Rios Pardos, teríamos (I) para o Espírito Santo (RES-0140), (2) para Minas (RMG-2150) e (3) para o Rio Grande do Sul, tchê (RRS-0290). Aqui não posso confirmar os carimbos de (I) e (2), por não conhecê-los.
Santa Cruz merece um parágrafo extra. A primeira delas seria, neste terceiro critério, a baiana (SBA-0650), seguida pelo Espírito Santo (SES-0165), Goiás (SGO-0205), Pernambuco (SPE-0580) e... Rio Grande do Sul! Existiam ainda Santa Cruz como Curato no Município Neutro (que não tinha carimbo numerado, como já vimos) e no Rio Grande do Norte, que no entanto, já se chamava Trahiry a partir de 1876.
Portanto, entre os três critérios apresentados, o mais consistente parece ser com a sigla da província. Aqui podemos ser cuidadosamente otimistas por estarmos na pista certa. Mas atenção: pode haver outros critérios que desconheço, não há regra sem exceção, e estamos no Brasil imperial, além disso.
Tudo é possível. Por exemplo, o critério da sigla provincial já teria uma exceção no caso de São João do Príncipe. A localidade fluminense levou o número (I) no carimbo SRJ-0945b, enquanto sua xará cearense teve que se contentar com o (2) em SCE-0290b. Mas se essa for a exceção que confirma a regra, eu já estaria muito feliz.
Nesta atualização apresenta-se, como ovinho de Páscoa aos leitores, uma tabela em PDF com todos os carimbos numerados imperiais que pude encontrar até agora:
A partir desta tabela, pode-se imaginar um modus operandi do nosso funcionário dos Correios no Rio a partir de ca. 1876, quando surgiu o carimbo numerado mais antigo, até agora, em Santa Cruz/RS. A cidadezinha gaúcha escreve à Diretoria Geral solicitando um carimbo postal. O encarregado consulta a lista imperial das agências e constata que a agência de Santa Cruz na província São Pedro do Rio Grande do Sul é a quinta entre as existentes com esse nome, em ordem alfabética das províncias. E envia para lá o carimbo com o (5). Esse procedimento poderia explicar a ausência dos carimbos de Santa Cruz com (2), (3) ou (4).
O problema desta explicação seriam as exceções como São João do Príncipe (ver acima) ou ainda Sarapuhy/SP, que recebeu um carimbo com um (2) sendo, pelo que se sabe até agora, a única agência desse nome no império. Mistérios da filatelia...
Este texto vai sendo atualizado, à medida em que novas informações chegam.
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