Entre os carimbos mais interessantes da pré-filatelia brasileira está este NORTE, encontrado em envelopes e cartas que passaram pela província de São Pedro do Rio Grande do Sul:
SRS-0335a (RHM P-RS-06)
Ele surge em objetos postais datados entre aproximadamente 1830 e 1835, como esta carta de Porto Alegre ao Rio de Janeiro, da coleção José A. Junges:
No Catálogo Enciclopédico de Selos e História Postal do Brasil (RHM, 1999) ele figurava ainda sob P-RS-03, e o texto que o acompanhava dizia: “Este carimbo foi empregado juntamente com o P-RS-05 (de Porto Alegre, como se vê acima, FM). A cidade chamava-se São José do Norte, e no carimbo lê-se apenas NORTE”. Entretanto, outras fontes acreditam que se tratava de um carimbo utilizado na correspondência expedida para o norte.
Esta última explicação nunca me convenceu. Por que um carimbo especial para correspondência de Porto Alegre para o Norte? Por que não existiu um carimbo desses em outras cidades com correio ao norte? Por que nunca houve um carimbo ao sul? E por que esse carimbo teve vida curta?
Uma parte da solução do problema já nos foi apresentada por Reinhold Koester num extenso artigo intitulado “Porto Alegre e seus carimbos até o fim do Império”, publicado em “Brasil: 140 anos de selos” (Brasilien: 140 Jahre Briefmarken, ArGe Brasilien, 1983), com tradução de José Marques da Silva: “Nos anos de 1830/31, mais ou menos, aparece frequentemente um carimbo adicional NORTE, do qual primeiramente se supôs que serviu pra distinguir o correio que devia seguir em direção ao Norte. Essa teoria, no entanto, não é sustentável porque existe carta do ano de 1831 que se originou na Bahia, e outras endereçadas de Santa Catarina para o Rio Grande. Consequentemente, só se pode tratar de um carimbo de trânsito de (S. José do) Norte, que fica vis-à-vis à cidade do Rio Grande.”
E realmente, a vila de São José do Norte era também simplesmente chamada de Norte, como se vê neste mapa de 1847:
Villiers de l’Ile Adam: Carta (...) da Provincia de São Pedro do Sul, 1847
Mas não só o correio de e para Porto Alegre passava por S. José do Norte, naquele tempo, como também o correio para Rio Grande, o que trazia grandes incômodos para esta cidade, como se pode ler na imprensa local:
O Noticiador, Rio Grande, 27 de janeiro de 1831
Resta a pergunta: por que a correspondência de e para Porto Alegre passou por S. José do Norte durante uns cinco anos, em vez de se continuar a utilizar o porto (e também eventualmente a agência postal) de Rio Grande, este maior, mais antigo e certamente mais bem equipado do que o porto da pequena vila do outro lado do canal?
A resposta ainda não é conclusiva, mas uma rápida pesquisa na imprensa da época traz algumas pistas que levantam as seguintes hipóteses:
Histórica: o Uruguai se encontrava, na época, em plena Guerra Civil, depois da declaração de sua independência, separando-se do império do Brasil em 1828. Os espanhóis já haviam invadido território português em 1760 e ocupado a vila de Rio Grande, entre outras regiões, durante 13 anos. Naquela época, a capital da capitania fora transferida de Rio Grande para Viamão (depois para Porto Alegre). Certamente, com os novos distúrbios políticos havia a preocupação de uma nova invasão castelhana, e eventualmente, as passagens de Rio Grande para S. José do Norte – e também da margem sul do rio Jacuí para Triunfo – foram bloqueadas por ordem superior. Só em julho de 1832 essas passagens foram novamente liberadas:
Câmara dos Senadores do Império/RJ, 17 de julho de 1832
Dentro dessa perspectiva pode-se justificar a decisão, um tanto às pressas, de se elevar a vila as freguesias de Triunfo e S. José do Norte, em outubro de 1831:
Câmara dos Deputados/RJ, Sessão de 1º de outubro de 1831
Econômica: com a instabilidade política vinda do Uruguai, o contrabando na região aumentou, porque as taxas alfandegárias da nova república uruguaia eram bem mais baixas do que as brasileiras – o que também seria um estopim para a Revolução Farroupilha de 1835. Para tentar diminuir o prejuízo causado pelo contrabando, criou-se em outubro de 1829 um novo posto aduaneiro em S. José do Norte. O que certamente desagradou Rio Grande, por ter um novo concorrente em rendas à frente:
Diário Fluminense, 10 de outubro de 1829
Talvez a verdadeira causa da passagem temporária dos correios por S. José do Norte tenha sido uma mistura das duas hipóteses acima descritas. Mas é sintomático que o carimbo NORTE tenha desaparecido por volta de 1835: com o advento da Revolução Farroupilha, toda a atividade postal da província entraria em colapso.
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