Este raro carimbo tipo francês da estação ferroviária de Cordeiros em SP...
Diâmetro original: ca. 21 mm
...passou quase despercebido, por se encontrar atrás de um forte carimbo carioca, neste bilhete postal:
Segundo Ralph M. Giesbrecht (estacoesferroviarias.com.br), a estação Cordeiros (que também se escrevia Cordeiro) foi inaugurada em 11 de agosto de 1876 pela Cia. Paulista, Linha Tronco, na saída do Ramal de Descalvado:
Estações Ferroviárias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Geraes, 1880
A estação se localizava no município de Limeira, e teria recebido esse nome da Fazenda Cordeiro, nas proximidades. A povoação no entorno da estação cresceu rapidamente, tornou-se um distrito em 1899, mudou de nome para Cordeirópolis em 1944 e emancipou-se políticamente em 1948. A estação, agora chamada Cordeirópolis, passou em 1971 para a FEPASA, e a linha ferroviária foi desativada em 1998. Em 2017, os trilhos ainda continuavam lá, mas o prédio da estação estava abandonado:
Foto Artur Silva (estacoesferroviarias.com.br)
Reinhold Koester (Carimbologia XIV) escreve que a agência postal da estação foi criada em 1879, informação provavelmente originária da Tabella de Agencias do Correio do Império de 1885. Mas Koester não pôde informar com certeza qual o carimbo de lá, devido à existência de uma agência homônima do Rio de Janeiro, uma estação da E.F. do Cantagalo. Agora sabemos: o carimbo paulista era esse tipo francês. Mas o carimbo carioca do BP acima não seria um indício de que aqui se trataria da estação fluminense? Não, porque aqui o verso do bilhete mata qualquer dúvida:
Além do carimbo de passagem por São Paulo, à direita, de 26 SET 1883, temos o texto logo no início: “Ibicaba. 25 Sept 83.” E aqui o bilhete começa a contar sua história fascinante, aqui passamos da filatelia à História. Pois a Fazenda Ibicaba não foi apenas uma das tantas fazendas de café espalhadas por São Paulo, Rio e Minas. Foi uma fazenda-modelo de mais de 200 anos, cuja história rendeu verbetes nas Wikipedias em português, inglês e alemão, e que ainda hoje ocupa muitos vestibulandos paulistas:
Ibicaba em 2012
O que tinha essa fazenda de especial? Ela foi a pioneira na passagem da cultura da cana à do café, e também a pioneira na passagem do trabalho escravo ao trabalho do imigrante europeu. Seu fundador, o Senador Nicolau de Campos Vergueiro, era o maior importador de escravos da província paulista, mas percebera que o sistema norte-americano de parcerias com trabalhadores europeus traria melhores perspectivas. Tratou, então, de criar uma firma para recrutar esses imigrantes, que vieram da Suíça, Itália e Alemanha, entre outros países. O modelo foi muito rentável durante um certo período – a Fazenda Ibicaba foi em 1860 o maior produtor de café no Brasil – mas acabou por não dar certo a longo prazo, por razões diversas. Houve até uma revolta na fazenda em 1856, que durou pouco, mas que virou tema de um romance da escritora suiça Eveline Hasler.
A fazenda, no final do Império, estava em decadência, mas mesmo assim era um ponto quase obrigatório de visita de potentados nacionais e estrangeiros como o próprio D. Pedro II (1886) e o príncipe Heinrich da Prússia:
Correio Paulistano, 30 de julho de 1883
Voltando à filatelia, o bilhete postal saiu de Ibicaba pela estação Cordeiros em 26 de setembro de 1883 (poucos meses depois da visita do príncipe prussiano, portanto), passou por São Paulo para chegar no Rio no dia seguinte. Não se sabe quando ele zarpou “via Lisboa”, nem quando ele chegou na Alemanha. Alemanha? Sim, a cidade de Metz hoje é francesa, mas naquela época, como toda a Alsácia e Lorena, era território alemão, depois da Guerra franco-prussiana de 1870, que acabou propiciando a criação do Reich.
O bilhete é endereçado ao “voluntário farmacêutico-militar” Adolph Stein, que morava em Moselfort, junto a Metz. O Moselfort é o Forte do Mosela, construído no século 18, na margem esquerda, em Metz.
Forte do Mosela, em 1838...
...e hoje
Infelizmente, o remetente não se identifica, mas lendo o bilhete conclui-se que ele é um parente mais velho do Adolph Stein. Porque dá muitos conselhos, além de se referir algumas vezes, com uma ponta de orgulho, à sua boa relação com o “Senhor Vergueiro”. Este certamente é José Vergueiro, filho de Nicolau, que falecera em 1859. Se lembrarmos da visita do príncipe, certamente o remetente teve um papel importante na preparação dela, e também como tradutor. Sua letra e redação são muito cuidadas, um sinal evidente de uma educação acima da média. O remetente também expressa sua preocupação com a iminência de mais guerras na Europa, e prega “buscar e manter a paz”. Sábias palavras.
Bonus track:
Hoje a fazenda Ibicaba é atração turística:
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