Esta semana adquiri de um colega do grupo de Whatsapp (Império/República) este selo:
Sobre uma emissão Barba Preta picotado de 10 réis (1866), uma assinatura Alcides mais um rabisco de uma palavra seguinte, na margem direita. Se não for obra de um engraçadinho que decidiu se perpetuar arruinando um selo cujo valor em novo, em todos os catálogos que conheço, é maior do que em usado, trata-se de uma obliteração manuscrita para fins postais ou fiscais.
Contra a utilização fiscal temos um forte argumento: os emolumentos fiscais, na época, eram bem maiores do que os 10 réis desse selinho. Tanto é que os primeiros selos fiscais do Império – que, aliás, datam de 1869 e portanto bem coincidiriam com o período de utilização do selo em questão – têm valores faciais a partir de 200 réis.
Restaria como mais plausível, portanto, a hipótese de uma obliteração manuscrita postal. Neste caso, nosso Alcides seria um agente postal de uma cidadezinha desconhecida que, talvez por falta de carimbo oficial, optou por assinar os selos em vez de escrever o nome do lugar, como de praxe.
O prenome Alcides não era nem extremamente raro nem muito comum, naquele tempo. Resolvi, então, procurar um agente do correio assim chamado entre 1860 e 1880 pelo Brasil afora, na esperança de não encontrar demasiadas opções. Graças ao motor de busca da Hemeroteca Nacional, a busca não foi infrutífera: apenas um Alcides foi encontrado como agente postal em todo território nacional naquele período.
O Noticiador de Minas, 28 de setembro de 1869
Então, em 18 de setembro de 1869, Alcides Alves Diamantino fora nomeado agente do correio em São Gonçalo do Serro, Minas Gerais. Se esse era o nosso Alcides, o rabisco da margem direita seria para mais um A, de Alves. Mas a grande surpresa é que a agência de S. Gonçalo do Serro já teria funcionado a partir de 1869, uma informação que eu ignorava, uma vez que tanto o Relatório Postal de 1886 quanto J. F. de Paula Sobrinho (História Postal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1997) indicam uma abertura dessa agência só em 1881.
Mappa de Minas Geraes, 1910
Quem sabe, portanto, possuo um selo com uma obliteração rara de um período de funcionamento até então desconhecido de uma pequena agência (S. Gonçalo do Serro tinha apenas 928 habitantes em 1880)? Quando Alcides lá chegou, só havia selos e nenhum carimbo, aparentemente. E na pior das hipóteses, o gaiato que resolveu estragar um selo novo acabou me ajudando a descobrir um funcionário que não durou muito tempo, e também uma vida anterior daquela agência postal que não lhe pagava o suficiente.
Veja também São Gonçalo do Serro (SMG-2335):
https://picoteefiligrana.wixsite.com/website/post/s%C3%A3o-gon%C3%A7alo-do-serro-minas-gerais-smg-2335
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